Rádio a Ferro e Fogo Online

2.7.10

UMA AULA DE ROCK NACIONAL - PARTE IV

Histórias Perdidas do Rock Brasileiro: Vol 1

Por Ricardo Schott
Jornalista
Jornal do Brasil Nos anos 60, o rock nacional parecia ter três vias, que às vezes se cruzavam em camarins de shows. A mais visível era a das bandas jovemguardistas, como Renato & Seus Blue Caps e Os Incríveis, onipresentes na televisão e no coração do povo. No meio, havia os Mutantes, banda com prestígio inabalável e vendagem razoável. A vertente que funcionava como pano de fundo no período é a que interessa ao pesquisador carioca Nelio Rodrigues, autor do recém-lançado livro Histórias Perdidas do Rock Brasileiro: Vol 1. Rodrigues, também autor de Os Rolling Stones no Brasil e co-autor de Sexo, Drogas e Rolling Stones, ao lado do jornalista José Emílio Rondeau, prefere focar-se em bandas pouco conhecidas do Rio, como Os Selvagens, Analfabitles, Red Snakes, Faia, The Bubbles (que depois viraria A Bolha), Equipe Mercado, Karma e Módulo 1000, que ajudaram a pavimentar alguns dos primeiros cenários subterrâneos do rock nacional. "Foram bandas como Bubbles e Analfabitles que criaram a noção de um som da pesada mesmo, com a aparelhagem na frente do palco, impondo respeito. As bandas da Jovem Guarda usavam equipamentos pífios. Eram guitarras e amplificadores ruins. Os grupos novos até emprestavam equipamento para elas. Conjuntos como The Bubbles já tinham uma preocupação com iluminação e cenário que essas bandas mais populares não tinham", relata Rodeigues. Entre os fatores que contavam para que tais bandas estivessem na frente, diz Rodrigues, era o interesse por informações novas, que eram conseguidas economizando mesadas para comprar revistas e discos importados. "Em 1967 uma banda americana veio tocar aqui e trouxe um equipamento para light show, que fazia aquela iluminação psicodélica que chamavam de luz bolha", recorda. Grupos como o Soma e The Bubbles compraram essa máquina. Eram essas bandas que tinham acesso a esse tipo de informação. Além do interesse por novidades, a ousadia contava, e muito. Eram formações afastadas do iê-iê-iê que tocava no rádio e geralmente contratadas de heróicos selos independentes, como o Top Tape, que lançou a estreia acid rock do Módulo 1000, Não Fale com Paredes, de 1970, hoje reeditada até na Europa; e o inacreditável Orange, uma releitura cabocla da Apple dos Beatles, que chegou a lançar compactos do The Cougars e de Serguei, o que as ajudava a ganhar liberdade para ousar no palco e no estúdio. "Num show do Sound Factory, uma menina simplesmente tirou a camisa perto do palco e começou a dançar. Já os Selvagens conseguiram se apresentar num festival no Pavilhão de São Cristóvão para o qual não estavam programados. Foram lá com os equipamentos e se enfiaram no palco, sem pedir licença. Acabaram tocando. Nas apresentações do Módulo 1000, a banda falava para o público se sentar, porque o som viria do chão", relata Rodrigues. De tanto insistir, algumas bandas até arrombavam as portas do primeiro time do pop a seu modo. Foi o caso do Faia, que teve como baterista Luiz Moreno (que depois tocaria n'O Terço), acompanhou Zé Rodrix na primeira gravação de "Casa no Campo", em 1971, e foi levado por Raul Seixas para testes na Philips, hoje Universal. Ou o Red Snakes, grupo do Grajaú que lançou em 1969 o LP Trying to be Someone, repleto de composições próprias, pelo selo Equipe, e acabou abrindo vários shows para Wilson Simonal. "Também fazíamos muita coisa com a Gal Costa e com Antonio Adolfo e a Brazuca", recorda o vocalista Alvaro Rodrigues, que hoje, ainda envolvido com música, atende pelo nome de Mattuzalém e conduz projetos ligados ao rockabilly pela noite carioca. "Fazer rock era uma barra pesada. Arrumar equipamento era difícil. Lembro que conseguíamos alguns com um coroa que era a cara do Sherlock Holmes". As drogas também fazem parte do livro, e surgem em histórias como a da banda Karma, um dos raros exemplos de grupo de rock a gravar disco por uma multinacional (em 1972, pela RCA, atual Sony Music). O guitarrista do grupo passou a sofrer sequelas pelo uso de LSD, como explica Rodrigues. O lado anedótico do uso das substâncias ilícitas fica com a banda The Bubbles. "Eram os doidões da época. Quando eles subiam no palco, jogavam baganas (restos de cigarros de maconha) para eles. Os músicos fumavam embaixo do palco e ficava um roadie com um spray disfarçando o cheiro", relata. Aos 57 anos, nascido em Recife mas criado na Zona Sul carioca, Nelio Rodrigues começou a se interessar por rock desde cedo, mas, biólogo de formação, só abraçou a pesquisa e as letras há menos de 10 anos, quando foi convidado pela editora Ampersand para escrever o livro Os Rolling Stones no Brasil. Para o livro novo, além de escrever material inédito, resgatou textos seus que estavam no webzine Senhor F, do jornalista Fernando Rosa, e na revista de rock clássico Poeira Zine. "O rock como fenômeno de massas é atrasado no Brasil. Só passou a ganhar mídia nos anos 80. Antes era uma vida de guerreiro, tanto que muitos desistiam e iam estudar", lembra Rodrigues, que promete no segundo volume das Histórias Perdidas biografias de bandas como Os Lobos, Vímana e Veludo. "Mas é uma pena que, mesmo quando se fala dos anos 60 e 70, só exista espaço para Rita Lee, Raul Seixas, Mutantes. Muitos discos dessa época são melhores do que Raulzito e os Panteras, estreia do Raul Seixas (1967), por exemplo".

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