Rádio a Ferro e Fogo Online

21.6.10

MEMÓRIA DO ROCK BRASILEIRO

Baú do Mairon: a história d´O Peso, um dos pioneiros do hard rock nacional

Por Mairon Machado
Colecionador
Um dos grandes grupos de rock brasileiro dos anos 70 teve uma carreira meteórica, mas que deixou saudades e, principalmente, a sensação de música honesta e com muito feeling. Estou falando d´O Peso.
Tudo começou em 1972, quando Luiz Carlos Porto (voz) e um amigo, chamado Antônio Fernando Gordo, compuseram diversas músicas, e, dentre elas, escolheram "O Pente" para ser apresentada em festivais. Um deste festivais foi o VII Festival Internacional da Canção no Rio de Janeiro, o mesmo que revelou Raul Seixas com "Let Me Sing, Let Me Sing", onde os Mutantes fizeram sua derradeira apresentação com Rita Lee tocando "Mande um Abraço pra Velha" e Sérgio Sampaio emplacou "Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua", todas faixas que podem ser conferidas no raríssimo vinil do festival.
Porém, a canção não ficou entre as classificadas para a final, principalmente pela forte alusão à maconha, com o seu refrão "pente, pente, pente, pente prá poder fechar", levando ao retorno para o Ceará e a dissolução da dupla LCP/Gordo, mas deixando Porto com vários contatos na Cidade Maravilhosa, principalmente pelo seu carisma e simpatia, o que permitiu que assinasse um contrato de três LPs com a Phillips, de onde saiu apenas o compacto de "O Pente", ao lado de Gordo. Dessa época ficou também a canção "Mundo Sol", em colaboração com o poeta Cristiano Lisboa, que infelizmente ainda não foi lançada para nós, mortais. Em 1974 LCP retorna ao Rio, e dessa vez começa a procurar pessoas para montar uma banda nos moldes do hard de Allman Brothers e Lynyrd Skynyrd. Assim, funda o o grupo O Peso ao lado de Gabriel O'Meara (guitarra), Carlos Scart (baixo), Constant Papineau (piano) e Geraldo D'arbilly (bateria). O grupo passa a participar de shows, sendo a banda de apoio para Zé Ramalho na temporada que o mesmo fez na Urca em 1974. Luiz Carlos Porto também conheceu produtores em sua primeira passagem pelo Rio, e na banda O'Meara já tinha seus contatos, principalmente por ter participado do Projeto Salva-Terra de Erasmo Carlos, o que levou facilmente o Peso assinar com a Polydor em 1975. O contrato com a Polydor rendeu um convite para participar do primeiro Hollywood Rock, onde o grupo apresentou toda sua energia para as mais de 10.000 pessoas que enfrentaram o embarrado estádio de General Severiano no Rio de Janeiro, pertencente ao clube da estrela solitária. Entre nomes como Mutantes, Rita Lee & Tutti Frutti, Erasmo Carlos, Celly Campelo e Raul Seixas, o Peso foi uma sensação, virando a banda revelação do evento, ao lado dos também novatos do Vímana. O sucesso fez com que a gravadora lançasse o primeiro LP. Assim, em meados de 1975 chegava às lojas o álbum Em Busca do Tempo Perdido, uma obra-prima do rock nacional. O disco traz uma sonoridade similar ao Led Zeppelin, com refrões praticamente chupados dos clássicos da banda de Jimmy Page, e conseguiu vencer inclusive a censura, mesmo falando de sexo e drogas e com uma capa no mínimo estranha, onde o grupo aparece escondido dentro de um banheiro com um hipopótamo ao fundo farejando atrás daqueles cabeludos bem trajados.
O disco abre com "Sou Louco por Você", com bateria, guitarras, baixo e piano entrando aos poucos, trazendo os vocais fortes de LCP em um rockzão bem anos 70. "Não Fique Triste" começa com violões que lembram "Thank You" do Led Zeppelin, tocando a melodia que acompanha os vocais de LCP. O órgão de Papineau se faz presente, sendo que o mesmo executa um belo tema ao piano, um dos pontos principais dessa balada. Outra balada surge em "Me Chama de Amor", com um clima bem anos 60. Essa canção conta ainda com um inspiradíssimo solo de O'Meara. O rock pesado é retomado em "Só Agora", onde piano e guitarra comandam um grande som para animar festas. Os vocais de LCP são acompanhados por vocalizações cheias de yeah-yeah-yeahs, no melhor estilo de Robert Plant, com um refrão fortíssimo. Essa faixa conta com um solo de gaita feito por Zé da Gaita, e é uma excelente canção para festas universitárias. O lado A encerra com "Eu Não Sei de Nada", onde O'Meara mostra todo o seu talento. O riff é do nível das grandes bandas de hard americanas, com os vocais de LCP rasgando as caixas de som. Uma viajante sessão é apresentada durante a canção, onde a bateria acompanha um crescendo do órgão, teclado e guitarra, dando sequência a um funkzão construído pela base de Scart e por riffs de O'Meara, retomando o refrão. Essa canção contou com a presença de Carlos Graça na bateria, ao invés de D'arbilly. "Blues" abre o lado B seguindo a dicotomia natural (12 compassos, 3 acordes, be-móis e muito feeling). A guitarra de O'Meara introduz a canção para Papineau viajar ao piano, com uma levada da cozinha que nos faz pensar estarmos em um bar americano cercado por negros rindo e bebendo, até Zé da Gaita entrar acompanhando os vocais de LCP. Um bluezão arrastado, com uma grande letra ("Se eu fosse um homem rico, será que você gostaria mais de mim? Meu amor dou de graça, mas você cobra tudo mesmo assim!"), que vai crescendo aos poucos. O solo de gaita leva ao solo de guitarra, onde O'Meara abusa de palhetadas pageanas, e até as viradas de D'arbilly lembram Bonham, bem como o acompanhamento de Scart lembra John Paul Jones em "You Shook Me". Após o primeiro solo de guitarra, a canção muda o ritmo, tornando-se um rockzão de primeira, com solos alternando entre gaita e guitarra. Um clássico brazuca com muito tempero pra norte-americano nenhum botar defeito. Outra pedrada surge com "Lúcifer", a mais zeppeliana das canções do Peso, com várias citações ao Led. O início da faixa traz mais um grande riff de O'Meara, e aqui LCP está fantástico, gritando como o personagem que dá nome a canção. É impossível não lembrar dos solos de "The Song Remains the Same" e "Celebration Day" quando O'Meara começa seus dois solos. Após o segundo solo de guitarra, as batidas do segundo riff principal de "Black Dog" são ouvidas, com O'Meara executando um terceiro solo antes de uma sessão percussiva, onde Scart comanda a viagem e o encerramento da faixa. O slide guitar introduz "Boca Louca", mais um rockzão com O'Meara solando muito e com acordes vibrantes no encerramento. A chapante "Cabeça Feita" foi uma das mais populares. Falando sobre o uso da maconha, se tornou um clássico entre os admiradores do grupo (e da erva). O disco encerra com a acústica faixa-título, também contando com Garça na bateria. Com muitos teclados e violões, é mais uma que lembra bastante o Led de "Ramble On", principalmente pela levada do violão e pelo solo de O'Meara.
Porém, o sucesso esperado pela banda acabou esbarrando na própria gravadora, que lançou uma tiragem pequena do álbum - trazendo inclusive um belo encarte com fotos dos integrantes -, que não atingiu números interessantes de venda. Mesmo assim, lançam um compacto com as músicas "Eu Sou Louco Por Você / Me Chama de Amor", que também não obteve sucesso. Várias formações passaram a fazer parte do grupo, contando com Mario Jansen, Geraldo D'arbilly, Carlos Scart, Serginho e LCP, e também como sexteto, com LCP, Carlos Scart, Geraldo D'arbilly, Serginho, Leca e Mario Jansen, inclusive com a saída de LCP, sendo substituído por Zé da Gaita nos vocais, culminando no encerramento das atividades no final da década de 70. Luiz Carlos Porto chegou a gravar três LPs pela Phillips que acabaram não saindo da gaveta, já que o cantor não aprovou o resultado final dos mesmo. Em 1983, LCP lançou, pela Polygram, seu primeiro e único álbum solo, intitulado apenas com seu nome e contando com a participação dos músicos Peninha (bateria), Roberto Darbill (baixo), Marcelo Sussekind (guitarra), Julinho (piano, teclados), Marinho (saxofone) e as vocalizações de Regina, Rosana, Gracinha, Guarnieri, João Carlos e André Melito. Luiz Carlos Porto começa com o rock de "Você Me Olhou (Não Há Por Que Chorar)", que mostra os mesmos gritos de LCP na época do Peso, mas com uma sonoridade oitentista. Seguem "Se Não Fosse Essa Canção", com muito teclados e vocalizações; "Estrelas no Céu", com um saxofone estranho, para não dizer algo pior; e "Amanheceu o Sol Vai Brilhar", um rock anos 80 típico, encerrando o lado A com "Vejo o Dia Amanhecer", uma baladona anos 80 com muitos solos de guitarra e teclados. O lado B vem com os reggaes de "Pra Bem Longe" e "Acordei Sonhando", o rock com vocalizações de "Não Acredito em Mais Ninguém", a animada "Eu Só Quero (Amar um Pouco Mais)", com um interessante solo de sax, e encerra com "Não Sei Chorar", uma triste e melancólica balada. Mesmo carregando o nome Luiz Carlos Porto, o álbum ficou muito distante do que os fãs do Peso esperavam, investindo muito em um som comercial, acabando engavetado nas prateleiras das lojas do país. Já em 1984 o Peso retornou a ativa, tendo o último show daquela mini-turnê sido realizado na Danceteria Quitandinha em Petrópolis, que repercutiu bastante na mídia especializada da época. O Peso tinha na formação LCP, Ricardo Almeida (guitarras), George Gordo (baixo) e Carlinhos Graça (bateria). LCP manteve o Peso por mais alguns anos, até que em 1986, após um show em Fortaleza, envolve-se em um grave acidente de moto, passando a sofrer de esquizofrenia e sendo obrigado a abandonar os palcos. As últimas informações que obtive sobre ele é que está escrevendo poemas e fazendo tratamento. No dia 26 de agosto de 2005, Darliby, Scart e Papineau se reencontraram 30 anos depois da gravação de Em Busca do Tempo Perdido, e alguns registros foram feitos. A volta do Peso para alguns shows foi cogitada, mas o grave problema de saúde de LCP impediu (e impede) que tenhamos nos palcos uma das mais importantes bandas do rock brazuca dos anos 70, que ao rodar na vitrola tornava impossível segurar o tesão que cada faixa passava. Coloque a agulha no ponto, apague as luzes, arranque a roupa da mulher e deixe que Luiz Carlos Porto e companhia comandem seu cérebro para uma noite de muita loucura e gritos de yeah-yeah-yeah!

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